Esclarecimentos sobre a Casa Mirabal
Manifesto à comunidade
A violência contra as mulheres, como tem sido demonstrado nas estatísticas brasileiras, reflete um problema estrutural de nossa sociedade. Importante por isso assinalar que o desconhecimento das razões e mecanismos que geram este sofrimento é responsável pela sustentação e reprodução da violência em todo o tecido social. Neste sentido, formas diversas de silenciamento e negação do problema, com versões simplistas e culpabilizantes sobre o que leva muitas mulheres a demandarem proteção do Estado, impedem a adequada avaliação das corresponsabilidades e das reais possibilidades de intervenções e construção de outras formas de expressão e superação. Há práticas e discursos assistenciais, não raras vezes do próprio poder público que, coletiva e individualmente, respondem de modo automático e ambíguo, com ações “invisíveis e benevolentes” configurando violências de Estado que assim confundem e cronificam os problemas de nossa sociedade. É o que entendemos estar acontecendo hoje na relação da Prefeitura Municipal com a Casa Mirabal sob ações de aparente “proteção” notadamente violentas.
A Casa Mirabal, como casa de referência que acolhe e abriga mulheres atingidas por violência de gênero, não pode ser confundida nem substituída por qualquer serviço assistencial. Sofrimentos decorrentes de experiências extremas de violência não podem ser conduzidos pelos que praticam ou se mantém insensíveis a condições humanizadoras dos sujeitos. São sofrimentos que requerem trabalho próprio à elaboração de traumas sociais, envolvem experiências e lutas recalcadas pela comunidade e, como tal, precisam de tratamento público para compreensão de seu caráter coletivo, que os diferencia de patologias individualizadas. Este é o sentido do trabalho que vimos ser produzido pela Casa Mirabal em sua longa e delicada construção de dispositivos que buscam devolver às mulheres nela acolhidas a possibilidade de reconhecerem a si mesmas, bem como a seus protagonismos ameaçados diante das experiências desumanizadoras vividas.
Neste percurso assistimos encaminhamentos contraditórios, porém convenientes, que agentes de redes públicas que deveriam apoiar, proteger e garantir os direitos das mulheres fazem à Mirabal. São Delegacias da Mulher, Serviços do Sistema Judiciário, Unidades de saúde e da Assistência Social que frente ao descaso e desinvestimento das administrações públicas para com os serviços e população por eles atendidas, fazem uso da Casa Mirabal como referência, sem reconhecê-la como integrante da rede pública de apoio e o devido financiamento do serviço que presta. Dado este contrassenso vimos o crescimento de outra rede, voluntária e solidária, que com recursos próprios da comunidade penosamente acolhe e propicia atendimentos clínicos, espaços sociais e de abrigamento, cumprindo muitas vezes com o que seria função do Estado. Este tem sido o jogo dos agentes públicos municipais, de não tomarem para si a responsabilidade e a contrapartida dos problemas sociais da população. Mantém desta forma, velada a segregação daqueles/as que escolhe não proteger reproduzindo como assinalamos, a invisibilidade perversa deste endereçamento.
Assinalamos mais uma vez, que a violência dirigida à mulher não é um problema doméstico e, sim, um problema social que requer compreensão e posição diante das forças que o impulsionam. O reconhecimento desta condição abarca o Testemunho como dispositivo que possibilita que o sujeito se aproprie do vivido e possa narrar sua experiência, permitindo ao tecido social a reconstrução coletiva de enfrentamento à violência. A Casa Mirabal tem construído vias que a diferenciam de outras experiências institucionais da cidade, o que requer reconhecimento público e demanda continuidade de sua construção, para o que assinam coletivos apoiadores da Casa Mirabal:
Sigmund Freud Associação Psicanalítica
Clínica Feminista na perspectiva da Interseccionalidade – UFRGS
Rede Nise da Silveira